segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Fernando de Noronha e a Guerra Fria: cotidiano

Anos depois de extinta a colônia correcional (1938), veio a Segunda Guerra Mundial, em 1942. Fernando de Noronha se tornava área de segurança para os Aliados (Estados Unidos, Inglaterra, França e Brasil). Era transformada em Território Federal, em 1943, “por imperativo de defesa”, e passou a ser subordinada ao Ministério do Exército até os finais de 1988.
           Mas foi com o período do pós-guerra e o encrudescimento da Guerra Fria que se instalava o POT, que quer dizer Posto de Observação dos Teleguiados, algo coordenado pelo governo americano. Na ilha, pacata cercada por natureza, era instalada uma base que serviria para o monitoramento de mísseis lançados no cabo Canaveral – Flórida. As ruínas dessa base ainda se encontram pela ilha e considerada por estudiosos como um importante patrimônio material a história do Brasil desse tempo. O pesquisador Tácito Rolim relata que "a estação de Fernando de Noronha representa a materialização de um dos momentos mais visíveis e tangíveis das relações entre o Brasil e os EUA depois da Segunda Guerra. Não há, no Brasil, nenhuma outra estrutura que simbolize tão bem a “Guerra Fria” e seus subprodutos – a Corrida Armamentista e Espacial – como a estação de rastreio de Fernando de Noronha".
Boa parte das pessoas consideradas cinqüentenária na ilha desembarcaram justamente neste período para ir trabalhar com esses estrangeiros.
A época militar é vista, na atualidade, pelos moradores insulares, como uma época em que a disciplina era fator sine qua non para a organização militar. Mas também de muita comunhão. “Um acodia o outro na hora da precisão”, alguém me relata. Seu Burra Leiteira, por exemplo, matava parte da sua criação e distribuía com os demais.
Tempos difíceis ao abastecimento e aquisição de gêneros alimentícios, iluminação e circulação na Ilha. Compartilhar uma simples geladeira pode ser tomado como um símbolo identitário que os unia e os classificava como iguais e semelhantes. A ordem estabelecida entre eles era a ajuda mútua.
Nos relatos de memória colhidos pelo projeto VOZES: RELATOS DE UM TEMPO alguns se referem a este momento da história noronhense com saudosismo. A economia era regulamentada pelos militares que proibiam os moradores de ter o seu próprio negócio. O hotel, a padaria, o supermercado, posto de gasolina, etc. todos pertenciam ao Exército que também determinava os preços das mercadorias. Sendo assim, naturalmente, todo mundo era empregado do Exército e dependia financeiramente dele, não constando registros de desemprego.
        Às 22:00h havia o toque de recolher e a energia era cortada, por motivo de racionamento. Segundo relatos: "as oito horas... num saia mais ninguém de casa... Só tinha luz até meia-noite... a luz se apagava, que a luz era até meia noite... Tinha iluminação, mas pouquinha, só na Vila. Num é como hoje... Assim, tudo aceso. Era um motorzinho pequeno".
Algumas dessas pessoas ainda vivem pela Ilha. Consideradas moradores cinqüentenários, são homenageadas por terem dado a juventude em troca de construírem uma ilha de sonhos. As falas dos que viveram esse momento da historia noronhense ainda se apresentam em personagens de rostos e nomes e que compõem a memória de Fernando de Noronha, tomada como uma das características a identidade de lá.
          Chegados por volta da década de 1940, muitos estavam contratados ao trabalho como pedreiros, mecânicos, soldador, ajudantes de cozinha, serviços gerais, serviços domésticos, lavradores, boa parte a serviço do comando da ilha.
         Seu Cesário, por exemplo, chegara por volta dos anos de 1947, acompanhando o pai, Manuel Cesário da Costa, que estava a serviço do comando do Exército. Eles foram um dos responsáveis pela reforma do palácio dos Governadores, hoje conhecido como Palácio de São Miguel, adicionando o 1o andar na sua arquitetura. Tempos depois (em 1950), conheceu Ana Martins da Costa, Dona Nanete, que fora a ilha para visitar seu irmão, sargento do Exército Martins. Cesário e Nanete se casaram em 1956 e estão juntos desde então.
            O Sargento Agostinho Alves Martins foi a Noronha por motivos da 2ª guerra. Acompanhado por um contingente de 3000 homens, se fez presente no dito lugar por força bélica. Terminada a guerra foi a natal, casou-se com Josefa Carneiro, Dona Miroza, e a levou para morar com ele na Ilha.
            Já Dona Nice, fazia parte da família de Seu Júlio Grande e Dona Prazeres. Tido como importante personagem da história local, Seu Júlio descia 20, 25metros de profundidade (em apneia) a caça de lagostas no fundo do mar. Exímio pescador teve uma vida simples, como tantos outros personagens aqui narrados. Dona Nice conhecera seu Francisco de Oliveira, Seu Chiquito, em 1958, que chegara a Noronha através do irmão que a habitava desde 1952, e logo que aportou no dito lugar foi trabalhar na construção da base americana instalada em 1957.
         Tem também o seu Davi Cordeiro, o mais antigo da ilha. Nascera em 1932. Seu pai, Antônio Alves Cordeiro, chegara por volta de 1922, para cumprir pena de justiça.
         Seu Alvino Lucena chegara nos anos de 1946 (31 de dezembro). Trabalhava como eletricista e ajudante de ferreiro. Foi parar na ilha, através de um amigo, trabalhador da secretaria do presídio, e que “via Noronha como uma forma de se empregar e ganhar um dinheiro”. Por volta de 1949, conhecera Dona Maria, que foi parar em Noronha acompanhando uma família. Ao ver Seu Lucena “foi amor a primeira vista”. Mas o casamento deles foi algo peculiar: casaram as escondidas ou como ela mesma fala “casei fugida da minha família”. Esse fato teve a tutela de seu Zé Martins, considerado o nosso representante da força expedicionária brasileira na 2ª guerra.
        Seu José Martins tem a sua passagem na ilha iniciada pelo seu pai em 1921, o Galo Branco. Cangaceiro de Lampião chegara na ilha por comprimento de pena de justiça. Foi nesse ambiente que Zé Martins aos 04 anos de idade cresce e se ver imerso num oceano de verde esmeralda. Trabalhava com o pai para a companhia francesa quando foi convocado a servir o Exército na 2ª guerra mundial. Terminada a guerra, e voltando de uma viagem a Natal, no Rio Grande do Norte, conhecera dona Dulce por volta de 1949. Dona Dulce se dirigia a ilha a passeio: “estava indo a casa do padrinho Alencar que era sargento do exército quando me deparei com o Zé”. Infelizmente, esse personagem falecera em setembro de 2008.
Em 1987, a administração do arquipélago passou para o comando do Ministério do Interior. Fernando César Mesquita foi o 1º administrador civil nesse período. No ano seguinte, mesmo havendo uma grande mobilização por parte dos moradores insulares, Pernambuco se viu novamente com a guarda da ilha, tornando-a Distrito Estadual, deixando assim, os 46 anos de Território Federal (1942 – 1988).
Esse tempo histórico da Ilha de Fernando de Noronha encontra-se registrado no livro NORONHA EM POUCAS PALAVRAS de autoria de Grazielle Rodrigues. História e memórias de um tempo saudoso e ávido por ser relatado.

Um comentário:

  1. Muito bela e interessante a História de Fernando de Noronha.Pois o que os livros de História sempre contaram dá importância de Natal,no Rio Grande do Norte como um ponto de apoio para as tropas americanas durante a Segunda Grande Guerra.Nas podemos perceber que a participação de Noronha nesse contexto e de uma importância para a História do Brasil.

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